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Lei nº 14.297/22 e as obrigações das empresas com os entregadores via aplicativo

Novas medidas de proteção que deverão ser asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19.


Foi publicada a Lei nº 14.297/22 que traz as medidas de proteção para os entregadores que prestam serviços por intermédio de empresas de aplicativo de entrega (plataformas digitais).

O primeiro ponto a ser destacado é a sua natureza provisória, pois essas novas obrigações durarão somente o período da pandemia.

Isso não significa, contudo, que depois nada mais será exigido, pois os debates em torno da proteção dos trabalhadores em plataformas digitais têm sido um dos mais recorrentes no mundo todo. O cenário mais provável é que o tema venha a receber uma regulamentação mais extensa dentro do futuro próximo, de forma semelhante como foi feito recentemente por meio da “Ley Rider” na Espanha.


Já o segundo ponto que merece grande alerta é que as obrigações já são exigíveis a partir da sua publicação, portanto, as empresas já correm risco de serem autuadas.

Respondemos às principais perguntas que podem surgir neste momento, incluindo um resumo das principais obrigações que deverão ser observadas pelas empresas de aplicativos de entrega durante a pandemia:


ÍNDICE



#1. Qual a finalidade da Lei nº 14.297/22?

Entregador via plataforma digital foi uma das funções que tiveram o maior aumento de demanda durante a pandemia, pois o isolamento social impôs uma restrição para o consumo. Para compensar isso e proteger muitos negócios, especialmente de restaurantes e lojistas, cresceu muito a demanda dos serviços de delivery.


Em outras palavras, os entregadores assumiram o risco durante o isolamento social para manter a atividade econômica de muitos setores.


Como forma de compensar essa dinâmica, a Lei nº 14.297/22 focou em trazer algumas proteções específicas em matéria de saúde e no caso de afastamento por COVID-19.


Percebe-se, portanto, que não houve intenção de regulamentar especificamente a forma de contratação em geral de quaisquer trabalhadores em plataformas digitais, mas apenas reduzir o risco especificamente dos entregadores, que compõe uma parcela significativa dos trabalhadores em plataformas digitais, embora não represente a sua totalidade.


Como se verá mais a frente, continuam ainda sem respostas as discussões se há obrigação de anotar a carteira de trabalho desses trabalhadores.


#2. Quais empresas devem obedecer a Lei nº 14.297/22?

Todas as empresas que oferecem uma plataforma digital para intermediar o serviço de entrega entre (a.) fornecedores de produtos (tais como restaurantes ou lojas de roupas); (b.) entregadores que se cadastram na plataforma digital para oferecer seus serviços; e (c.) os consumidores.


Dentro dessas dinâmicas, também existem obrigações específicas para as empresas que fornecem produtos ou serviços, como se respondido especificamente na pergunta 6.


#3. A Lei nº 14.297/22 se aplica somente a grandes plataformas digitais como o iFood?

Não, pois qualquer empresa que forneça a intermediação de entregas por meio de aplicativos está sujeita à nova lei, mesmo que tenha a sua atuação limitada a algum local ou região.


#4. A Lei nº 14.297/22 se aplica a todas plataformas digitais que façam a intermediação entre trabalhadores e clientes?

Não. A lei não se aplica, por exemplo, para empresas como Uber e Cabify que tem a finalidade de transporte de pessoas. Contudo, pode ser discutido que alguns motoristas fazem entregas pelo Uber, mesmo sem passageiros, mas por ser uma exceção não poderia a nosso ver tornar aplicável a Lei nº 14.297/22 para todos os motoristas cadastrados nessa plataforma.


É importante ressaltar isso porque o trabalho intermediado por plataformas digitais tem sido feito de forma bastante ampla, não somente para trabalhos intelectuais, como até mesmo para carretos e outros serviços específicos. Essas plataformas não foram alvo da Lei nº 14.297/22, cujo foco está em reduzir a exposição ao risco dos trabalhadores que fazem as entregas.


Isso não significa que não possa surgir questionamentos, razão pela qual é importante haver um planejamento estratégico e preventivo pelas empresas que intermedeiam o fornecimento de mão de obra por meio de plataformas digitais (aplicativos).


Por exemplo, no caso mencionado de plataforma que intermedeia carreto, pode-se imaginar ser questionado em breve na Justiça do Trabalho que também é uma atividade de entrega, afinal o cliente contrata por meio de uma plataforma digital para que os seus móveis sejam “entregues” na nova residência, no entanto, a lei é específica ao prever que a relação é mantida em conjunto com o “fornecedor de produtos ou serviços”.


#5. Devo observar a Lei nº 14.297/22 se eu possuo um aplicativo para facilitar a entrega dos meus produtos?

Embora os casos específicos demandem uma análise direta porque existem mais variáveis a serem vistas, de modo geral não será aplicável a Lei nº 14.297/22 para empresas que forneçam o aplicativo somente como uma facilidade para a contratação pelo consumidor e tenham os entregadores contratados com a carteira assinada (empregados na forma da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).


Esse modelo de negócio não se insere no conceito de “trabalhadores em plataformas digitais” e os empregados já têm garantidos seus direitos trabalhistas pela própria CLT.


Caso a empresa faça a contratação desses profissionais informalmente (sem nenhuma forma de registro ou contrato) e use a plataforma digital apenas para facilitar a vendas, sem ocorrer o cadastro dos profissionais nesse aplicativo e nem haver a necessária autonomia do entregador, é mais provável que o caso seja visto como fraude à lei trabalhista (com risco de ser reconhecido o vínculo de emprego previsto na CLT) do que desrespeito à Lei nº 14.297/22 (que levaria a empresa a arcar apenas com os direitos indicados na próxima resposta).


Lembramos que existem várias formas de se contratar mão de obra, no entanto, cada uma delas possui suas regras específicas para torná-la válida aos olhos da Justiça do Trabalho. Para situações específicas, aconselhamos que se busque por uma análise jurídica especializada para que a empresa tenha apoio na estruturação do melhor modelo jurídico para o seu negócio.


#6. Fornecedor do produto ou do serviço tem que tomar algum cuidado com a Lei nº 14.297/22?

Sim, pois deverá garantir aos entregadores a utilização das instalações sanitárias de seu estabelecimento, bem como o acesso a água potável.


Além disso, a lei traz a recomendação para que seja adotado o pagamento por meio da internet como forma prioritária, evitando que o entregador tenha de fazer a cobrança no ato da entrega, no entanto, isso veio somente como uma recomendação no artigo 7º da nova lei e a princípio não deve justificar nenhuma penalidade às empresas que mantiverem a cobrança no ato da entrega, mas se recomenda evitar essa prática, inclusive para garantir a proteção do entregador.


No mais, a lei não traz nenhuma obrigação para os fornecedores do produto caso ocorra algum acidente durante o trajeto para retirada/entrega de seu produto, pois o seguro contra acidentes deverá ser contratado de forma direta pela empresa que fornece a plataforma digital.


#7. As empresas fornecedoras do produto ou do serviço podem ser responsabilizadas se houver algum acidente?

Não, pois quem fornece o produto ou o serviço, a princípio, não tem nenhuma ingerência sobre a forma como deverá ser feita a entrega, portanto, não poderia em tese ter alguma culpa para justificar a sua responsabilidade pelo acidente.


Da mesma forma para a empresa que fornece a plataforma digital, eventual responsabilização dependeria da prova que houve alguma culpa para que tenha ocorrido o acidente.

Portanto, a princípio, a única obrigação será a contratação do seguro contra acidentes pessoais que deverá ser cumprida pela empresa de intermediação via plataforma digital.


#8. Não há mais vínculo de emprego (carteira assinada) para os entregadores por meio de plataformas digitais?

A Lei nº 14.297/22 tomou a cautela de deixar claro no artigo 10 que não houve nenhuma pretensão em definir a natureza jurídica da relação do entregador com a plataforma digital.


Isso significa que as obrigações trazidas pela nova lei são apenas um acréscimo que deverá ser aplicado imediatamente enquanto perdurar a pandemia. Isso não exclui o direito do entregador questionar se ele possui vínculo de emprego com a plataforma digital, tampouco garante segurança à empresa que agora foi autorizada a contratação sem anotar a carteira de trabalho.


A melhor proteção para o modelo do negócio das plataformas digitais é conhecer a sua estrutura de forma aprofundada e construir uma estrutura jurídica que faça sentido para regras aplicadas habitualmente na Justiça do Trabalho.


Embora o assunto seja extenso, vale sempre frisar que a autonomia do entregador é sempre o ponto mais sensível nessas relações e quanto maior for o controle da plataforma digital, maior o risco de ser considerado um vínculo de emprego.


De tal forma, as plataformas digitais devem observar a nova lei para se proteger de multas administrativas, mas isso não afasta a necessidade de se precaverem para preservar o modelo de negócio que escolheram contra queixas de fraude à lei trabalhista.


#9. Quais são as novas obrigações das empresas que intermedeiam os fornecedores de produtos, entregadores e consumidores?


a) Seguro contra Acidentes

Deve ser contratado seguro contra acidentes, sem franquia, para cada entregador que esteja cadastrado no aplicativo.


A lei tomou o cuidado de limitar o seguro para os acidentes que ocorrerem durante o período de retirada e entrega dos produtos ou serviços, devendo cobrir acidentes pessoais, invalidez permanente, temporária e morte.


Devido às ferramentas de monitoramento do trajeto pelo aplicativo, é possível que a plataforma digital tenha controle para provar se o acidente ocorreu durante o percurso ou não, com intuito de afastar eventual responsabilidade. Isso é especialmente relevante se o motorista prestar serviços a mais de uma plataforma digital, pois será responsável somente a empresa vinculada ao serviço do momento do acidente.


A princípio, a nova lei não faz nenhuma referência a acidentes se o motorista estiver circulando livremente enquanto aguarda um próximo serviço ou no caso de estar retornando à sua residência, situação essa conhecida como “acidente de percurso” que é considerado como acidente de trabalho para quem tem a carteira assinada (CLT).


b) Assistência financeira em caso de contaminação por COVID-19

Se o entregador for contaminado por COVID-19 deverá receber uma assistência financeira pelo período de 15 (quinze) dias equivalente à média dos 3 (três) últimos pagamentos mensais recebidos pelo entregador.

Esse período pode ser prorrogado até 30 (trinta) dias se houver laudo médico.


Diante disso, as empresas deverão se adequar imediatamente para receber e dar tratamento a essas situações, exigindo o comprovante de resultado positivo obtido por meio de exame RT-PCR ou de laudo médico que ateste a condição decorrente do COVID-19 que justifique o afastamento.


Há ainda a necessidade de serem revistos os mapeamentos feitos para a Proteção de Dados e adequação à LGPD, pois a nova lei trouxe um novo fluxo de dados pessoais que provavelmente não estavam mapeados.


c) Fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI)

Foi criada a obrigação de fornecer máscaras, álcool em gel ou outros materiais higienizantes que se façam necessários para a proteção dos entregadores, além de orientar sobre os riscos e cuidados necessários para prevenir o contágio e evitar a disseminação da doença.


Essa obrigação poderá ser cumprida alternativamente pelo repasse ou reembolso das despesas efetuadas pelo entregador.


Em ambas as hipóteses, deverá haver cautela para certificar que foram fornecidos equipamentos suficientes para a jornada de trabalho, o que pode ser um desafio para algumas empresas se as jornadas dos entregadores se mostrar muito variável na prática, eis que não há controle ou exigência de limites mínimos ou máximos de jornada por parte da plataforma digital.


Há ainda uma segunda discussão possível que poderá surgir se as máscaras devem ser descartáveis ou reutilizáveis e, no segundo caso, qual será o melhor tratamento para garantir a sua higienização, frequência de troca diária e renovação periódica (substituição por novas para evitar o desgaste).


d) Formalização das hipóteses de bloqueio, suspensão e exclusão da conta do entregador da plataforma eletrônica

Outra novidade da lei foi exigir que a empresa formalize, seja por meio de contrato, seja por termo de registro, quais são as hipóteses de bloqueio, de suspensão ou de exclusão da conta do entregador da plataforma eletrônica.


Isso limita a atuação das empresas que deverão agora formalizar os motivos que levarem os entregadores a serem descadastrados. Não bastará comunicados breves como ocorre nas redes sociais quando excluem alguma postagem sob a alegação genérica de “afronta aos termos de uso”. Deverá ser específica a comunicação para indicar o motivo que levou à exclusão.


Na prática, isso traz a direito de o entregador pedir seja readmitido na plataforma digital se eventualmente entender que não houve o descumprimento das hipóteses de exclusão. Assim, as empresas deverão tomar muita cautela na redação dos Contratos ou Termos de Registro para estipular as hipóteses mais claras possíveis, pois não serão admitidas decisões subjetivas, ou seja, que não estejam pautadas de forma expressa a uma hipótese prevista antecipadamente.


Por um lado, isso traz maior rigidez para as empresas e uma necessidade de maior investimento de tempo no planejamento estratégico, por outro lado, garante maior transparência e melhor relacionamento com os entregadores que são parte vital para o êxito do negócio.


Quanto melhor for a definição das expectativas que a plataforma digital tem com seus entregadores, melhor será o resultado para que as relações funcionem da forma mais adequada e em conformidade, o que certamente tende a trazer melhor satisfação aos clientes.


Outro ponto que merece atenção é o prazo para comunicar a decisão de bloqueio que deverá ocorrer com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis. De tal forma, o entregador terá 3 (três) dias para questionar a decisão enquanto pode continuar prestando serviços por meio da plataforma digital.


Nesse aspecto, a lei tomou a cautela de criar uma exceção para esse prazo quando houver suspeita de prática de alguma infração penal, de forma que os casos graves permitem a exclusão imediato para preservar a segurança dos clientes. Já nos casos em que a exclusão ocorra por algo mais simples como a remoção dos entregadores com más avaliações, a lei garantiu o direito de o entregador ter o referido aviso prévio.


Para os casos de suspensão ou bloqueio, não há necessidade de nenhuma antecedência na comunicação da decisão, o que faz sentido a final não se tratam de decisões permanentes.


e) Multas

Será aplicada uma advertência se a lei for descumprida pela empresa de aplicativo de entrega ou pela empresa que utiliza os serviços de entrega, o que é sensato por privilegiar o caráter educativo para as empresas neste momento de adequação. No entanto, se houver reincidência, será devida R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por infração cometida.


Esse valor pode ser considerado baixo para alguns, mas deve haver cautela nessa análise porque o contingente de trabalhadores vinculados a essas plataformas é muito alto, portanto, esse valor pode escalar facilmente para cifras elevadas.


Vale frisar que essa penalidade é aplicável imediatamente, pois a lei não deu nenhum prazo para as empresas se adequarem.



Esperamos que os comentários acima ajudem as empresas de aplicativo de entrega e empresas que utilizam os serviços de entrega a se adequarem com mais facilidade às novas regras, ficando o nosso escritório à disposição para ajudar com eventuais desafios específicos para a sua adequação.







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